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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Os Pretos no Futebol (1): "Barreiras, Sacrifícios e Glórias" - A. J. O. (UCPA) 26/04/2009

Três jogadores de peso marcaram a ascensão dos pretos no futebol brasileiro na primeira metade do século XX: os atacantes Friedenreich e Leonidas da Silva e o zagueiro Domingos da Guia.

Arthur Friedenreich (1892-1969)

Filho de mãe negra e pai alemão de origem judia,  Friedenreich foi o maior jogador das primeiras décadas. Com 1329 gols, em 26 anos de carreira, "El Tigre"consolidou-se como o maior goleador da História do futebol, porém seus gols estão divididos entre o período amador e o período profissional. Ele era o Center-forward (centroavante da época). Sempre que aparecia algum garoto bom de bola, a comparação era inevitável: "É o novo Fried!". Até o surgimento de Pelé.


Friendenreich, introduziu novas jogadas, como o drible curto, o chute de efeito e a finta de corpo. Era um jogador bem magro, com 52 kg distribuídos em 1,75 m. Seu primeiro time foi o Ypiranga, onde estreou em 1909. Devido a seu sobrenome alemão chegou a jogar no Germânia (atual Pinheiros); estudante de direito atuou também no aristocrático time do Colégio Mackenzie. Mas o time onde ele conquistou seus maiores êxitos foi o Paulistano, que defendeu por 11 anos, de 1918 a 1929, onde ganhou seis de seus sete títulos paulistas (o sétimo foi pelo São Paulo da Floresta, atual São Paulo). Seu último time foi o Flamengo, onde em 1939 encerrou sua carreira, aos 43 anos.


Arthur Friedenreich marcou o primeiro gol da era profissional no Brasil, a façanha ocorreu na vitória do São Paulo da Floresta por 5x1 sobre o Santos, em 12 de março de 1933, na Vila Belmiro, gol marcado aos 23 minutos, do primeiro tempo. Ele foi nove vezes artilheiro do Paulista - em 1912, 14, 17, 18, 19, 21, 27, 28 e 29. Esteve presente no primeiro jogo da Seleção Brasileira - contra os ingleses do Exeter City, em 1914. Defendeu o Brasil em 22 jogos, marcando 10 gols. Seu apelido - El Tigre - surgiu na final do Sul Americano de 1919, contra o Uruguai, onde após 150 min de futubol, um gol seu decidiu o título na segunda prorrogação.

Segundo o "Professor Eduardo Oliveira", em "Quem é Quem na Negritude Brasileira" Friedenreich, "aposentou-se como funcionário da Companhia Antártica Paulista vindo a falecer no dia 6 de setembro de 1969, esquecido, numa das ruas de Pinheiros".


Waldemar de Brito (1913-1979)

"Entre os Grandes da História do Futebol", está Waldemar de Brito, atleta que iniciou sua carreira no Sírio, no final da década de 20; No exterior jogou no San Lorenzo, de Almagro, da Argentina. Pelo São Paulo da Floresta foi artilheiro do Paulista de 1933 com 21 gols. Também marcou época na Portuguesa, Portuguesa Santista, Palmeiras, Flamengo e Botafogo. Na Seleção jogou 17 partidas, em 1934, com oito vitórias, cinco empates, e quatro derrotas; marcando 20 gols. Como treinador e descobridor de talentos levou Pelé do Bauru Atlético Clube para o Santos. 



Pelo San Lorenzo em 1935 Waldemar de Brito fez 3 gols em três confrontos, em 1939 foram 16 gols em vinte e cinco partidas; e em 1940 seis gols em dezoito jogos.

  
Leônidas da Silva (1913-2004)

O "Diamante Negro", inventor da "bicicleta" por sua elasticidade ficou conhecido também como "Homem Borracha". No começo de sua carreira em 1931, quando jogava no Bonsucesso, já chamava a atenção pelas belas jogadas. Foi artilheiro na Copa de 1938, na França, com 8 gols, quando foi apelidado Diamante Negro. Leônidas da Silva foi campeão carioca pelo Vasco em 1934, pelo Botafogo em 1935, e pelo Flamengo em 1939; pelo São Paulo foi campeão paulista em 1943, 45, 46, 48 e 49.


Domingos da Guia (1912-2000)


Em entrevista ao jornal "Folha de São Paulo" do dia 15 de janeiro de 1995, "Domingos da Guia", o "Divino", e pai de Ademir da Guia, afirma que nos anos 30 "nem Pelé jogaria nos clubes ricos". E mais, ele citou que viu "Fla-Flu sem nenhum negro em campo". O Divino jogou de 1929 a 1949, começou a carreira no Bangu, onde também encerrou sua carreira. Em três anos três conquistas memoráveis, campeão uruguaio em 1933 pelo Nacional, campeão carioca em 1934 pelo Vasco, e campeão argentino em 1935 pelo Boca Juniors. Segundo Domingos da Guia, no Rio de Janeiro, "havia um período onde só jogavam negros no Bangu, no Madureira, no Bonsucesso, e depois no Vasco".


Um dos poucos livros que fala sobre o tema é a obra "O Negro no Futebol Brasileiro" do jornalista "Mario Filho", irmão de Nelson Rodrigues, lançado em 1947. Uma rigorosa pesquisa com uma linguagem simples dos casos do futebol. Como a dos jogadores do Fluminense que cobriam o rosto com pó-de-arroz para esconder a pele escura, e o caso do goleiro preto do Bangu, que foi embebedado por flamenguistas antes do jogo com o Flamengo.

"Subterrâneos do Futebol", de "João Saldanha", intitulado pela editora Revan como "História do Futebol", é uma antologia sobre "Garrincha". No livro é citado um caso em que o técnico do Botafogo, negociou um zagueiro preto do subúrbio, como loiro, pois era o único jeito de efetuar uma contratação.

Uriel Fernandes - Teleco (1913-2000)

O "Rei da Virada", e o "Mais Fiel dos Centroavantes" é o Teleco, que jogou dez anos no Corinthians - entre 1934 e 1944. 



Possui uma marca incrível de 251 gols em 246 jogos. Uma média de 1,02 gol por partida. Foram 155 vitórias, 38 empates e 53 derrotas.

 

Sendo campeão paulista nos anos de 1937, 38, 39 e 41. E artilheiro dos Paulistas de: 1935 com nove gols; 1936 com nove gols; 1937 trinta e dois gols; e 1941 com vinte e seis gols. 


Manoel Francisco dos Santos - "Garrincha" (1933-1983)




O "Craque Mané", com dribles fantásticos, consagrava centroavantes com seus cruzamentos. Mané levava a loucura seus marcadores. Ele também era artilheiro, com 232 gols é o maior goleador do Botafogo. Foi campeão nas Copas do Mundo de 1958 (Suécia) e 1962 (Chile), sendo artilheiro na segunda, onde foi herói, jogando a final com febre.


O núcleo da UERJ publicou no primeiro número da revista, "Pesquisa de Campo", que traz um artigo sobre o negro no futebol. 
Outra publicação que retrata o preto no futebol é o número 22 da "Revista da USP".


Tomás Soares da Silva - Zizinho (1921-2002)


Com 19 gols o "Mestre Ziza", foi o artilheiro do Carioca de 1952, jogando pelo Bangu. Ninguém marcou mais que ele e o argentino Norberto Mendes em Campeonatos Sul Americanos, ao todo, foram dezessete gols. Os gols de Zizinho foram: dois em 1942; dois em 1945; cinco em 1946; cinco em 1949; um em 1953; dois em 1957. Sendo campeão sul americano em 1949.


Fausto dos Santos (1905-1939)


Edson Arantes do Nascimento - Pelé (1940)

O "Rei do Futebol" surgiu de forma fenomenal em 1957. Em sua carreira marcou 1279 gols, sendo artilheiro do Paulista 11 vezes; fez 58 gols em 1958, um recorde. Em 1964, ele fez 8 gols na goleada do Santos sobre o Botafogo de Ribeirão Preto por 11x0. Na seleção brasileira é o maior artilheiro com 97 gols. E no Santos é o maior goleador com 1091 gols. Foram 49 gols marcados contra o Corinthians, sendo o maior número de gols marcados contra um time. Além dos vários títulos paulistas, conquistou pelo Santos 5 Taças Brasil; duas Libertadores; e dois Mundiais Interclubes. Pela Seleção brasileira conquistou  três Copas do Mundo - 1958 (Suécia), 62 (Chile) e 70 (México).



Pelé também se consagrou com suas tabelas com "Coutinho"


Coutinho, o "Parceiro de Pelé", foi o centroavante santista entre 1960 e 1967. Possui uma ótima média de gols - chegou a média de 20 na campanha do tri-Paulista entre 1960 e 1962, nesse último ano marcou trinta e dois gols em vinte e duas partidas.



Para o então coordenador do "Núcleo de Sociologia do Futebol" da UERJ, "Maurício Murad", autor de "Todo esse lance que rola", "a escola negra do Brasil mostra corpo mais artístico, com ginga". Ele cita que "o conhecimento do Brasil passa pelo conhecimento do futebol". Em sua pesquisa ele coloca que o período de auge dos jogadores negros ocorre "entre 1950 e 1970 quando o Brasil conquista três Copas e um vice-campeonato, com jogadores como "Zizinho", "Pelé" e Garrincha". Para ele o estilo de se jogar futebol no Brasil foi inaugurado e consolidado com jogadores como "Fausto", "Leônidas", e "Domingos da Guia". Ele dividiu sua pesquisa em cinco períodos. 

"O primeiro é inaugurado em 1894, pelo fundador do futebol no Brasil, Charles Miller, e vai até 1923, quando pela primeira vez um clube com jogadores negros, o Vasco, conquista o Campeonato Carioca", período elitista, racista e proibitivo. 

A segunda fase "vai de 1923 até 1933, quando é introduzido o profissionalismo, é um período híbrido, em que a presença negra sai da clandestinidade".

A pesquisa de Murad é minuciosa, nela ele fala que "nos anos 20, se exigia assinar o nome e escrever o local de trabalho nas súmulas, muitos jogadores eram analfabetos, os do Vasco tinham aula noturna de primeiras letras, mas se um pobre não tinha emprego, não podia jogar". Ele defende que o que levou o futebol a deixar de ser amador foram dois motivos: a necessidade  de se pagar salários aos jogadores para evitar o êxodo de craques para a Itália; e o profissionalismo que veio para  permitir o ingresso dos negros nos times, para fortalecê-los. Havia a necessidade de transformar os atletas em empregados. Pois como sócios, eles não entravam nos clubes. 

A terceira fase entre 1933 e 1950, é um período de transição, com a consolidação de um estilo com fortes características negras. Murad defende que os negros foram restringidos a pequenos espaços, onde tiveram que desenvolver sua habilidade. 

João Ferreira - Bigode (1922-2003) 

Moacir Barbosa Nascimento (1921-2000)

Juvenal Amarijo (1923-2009) 

A quarta fase inicia em 1950 quando os jogadores - Bigode, Barbosa e Juvenal - foram responsabilizados pela derrota para o Uruguai. 

Garrincha, Didi e Pelé

Segundo Murad, João Saldanha confirmou que em 1958 "haveria uma recomendação da Confederação Brasileira de Desportos para evitar negros", "Garrincha só foi escalado porque Nilton Santos, e Didi falaram com Feola (técnico)". Essa fase vai até 1970.

Waldir Pereira - Didi (1928-2001)


Após a Copa de 1958, Didi teve seu passe vendido para o Real Madrid, porém não ficou muito tempo. Desentendeu-se com o argentino naturalizado espanhol Di Stéfano, ídolo da torcida madrilenha.


A quinta e última fase estudada por Murad se localiza entre 1970 e 1990, de acordo com ele é um período de "reelitização", "nos anos 80 foram eliminados 10 mil campinhos de futebol no país", onde também houve uma "procura de pessoas de classe média pelo futebol", isso ocorreu devido a "urbanização desordenada pela especulação imobiliária". Nesse contexto jogadores como "Zico, Falcão e Sócrates" teriam que "jogar em qualquer seleção". Murad faz uma comparação: "na seleção de Lazarone, em 1990 (eliminada), havia dez brancos e um  mestiço, Muller". E na "seleção de 1994 (campeã), havia cinco brancos e seis afrodescendentes". Ele defende que "com os caçadores de talentos na periferia, nosso futebol volta a ser o que era".

De qualquer forma todos sabem que o desempenho de nossos irmãos é notório. É comprovado tanto em teorias como na prática que a inteligência, a força, a resistência, a habilidade e o raciocínio rápido são elementos fundamentais para uma boa atuação. E esses elementos fazem com que esses atletas estejam entre os maiores jogadores da história.  


Bibliografia: 


FILHO, Mario. "O Negro no Futebol Brasileiro". RJ, 1947.


OLIVEIRA, Eduardo. "Quem é Quem na Negritude Brasileira". Vol. 1. CNAB: SP, 1998.


MURAD, Maurício. "Todo esse lance que rola". Dumará: RJ, 1994.


SALDANHA, João. "História do Futebol". Revan: RJ, 1964.

NAPOLEÃO, Antônio Carlos e ASSAF, Roberto. 
"Seleção Brasileira: 90 Anos". Mauad, 2004.


"Folha de São Paulo". Caderno de Esportes. 15/01/1995.

"Revista Placar". 
"De Friedenreich a Bebeto 90 anos de gol". 
Nº 1073, Julho de 1992.




Os Pretos no Futebol (1): 
"Barreiras, Sacrifícios e Glórias"  
Alaru Jagunjagun Oniluap (UCPA) 


Documento elaborado para o 
7º Sankofa: "Debate, Basquete e Hip Hop" (ZS/SP)
Realizado em 16 de abril de 2009

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