"Nzambi a tu bane nguzu um kukaiela"

quinta-feira, 25 de março de 2010

GUERRA DO PARAGUAI: DE “VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA” A ALVOS DO PROCESSO DE BRANQUEAMENTO





O objetivo do texto não é especificamente descrever a guerra, e sim a participação dos pretos num conflito que para alguns o culpado foi Solano Lopes, o então presidente paraguaio apontado como um ditador ambicioso, bárbaro e louco, que ameaçava a soberania da Argentina, do Brasil e do Uruguai.
Para outros o país que deve ser responsabilizado é a Inglaterra, que teria planejado destruir a autonomia econômica paraguaia que se transformara em um mercado fornecedor de algodão para a indústria têxtil da Grã-Bretanha, nesse caso Argentina, Brasil e Uruguai serviriam apenas aos objetivos políticos e comerciais ingleses.
Mas é fato que os países envolvidos no conflito – Paraguai, Brasil, Argentina e Uruguai – defendiam interesses próprios em torno do rio Prata, região comum a todos eles.
Os comerciantes e fazendeiros de cada um desses países tinham interesses no controle político e econômico da área platina e nos lucros produzidos nesse domínio.
A mais importante economia da região era o mate, atividade comum nas margens do rio Paraná.
A área – desde o período colonial – sempre foi decisiva para a saída e entrada de mercadorias, inclusive a circulação de contrabando.
Entre 1851 e 1860 o comércio do Paraguai com o exterior cresceu rapidamente. Além da erva mate, a economia crescia com a exportação de madeiras, fumo, cigarros, couro e laranja.
O Paraguai importava produtos manufaturados e tecnologia, assim, necessitava ampliar a área de cultivo, para pagar as importações. Em meados de 1856, o Paraguai além de inaugurar a primeira estrada de ferro do rio Prata, inaugurava sua marinha mercante e iniciava a instalação do telégrafo. Fica evidente que o Paraguai progredia aos olhares da Argentina, Brasil, Grã-Bretanha e Uruguai, nesse sentido é natural que haja várias hipóteses para o motivo do conflito.
É necessário frisar que no dia 12 de setembro de 1864, tropas brasileiras cruzaram a fronteira com o Uruguai, realizando uma intervenção em questões internas desse país que refletiam nos interesses de Argentina, Brasil e Paraguai. Nesse contexto o Brasil assinou o Acordo de Santa Lúcia com o general uruguaio Venâncio Flores, estabelecendo a cooperação militar. O Paraguai protestou contra a afronta a seu então aliado. Após o acordo, o vapor brasileiro “Marques de Olinda” foi aprisionado por tropas paraguaias, e no mês seguinte Mato Grosso – território em disputa – foi ocupado pelo exército paraguaio. No dia 1º de maio de 1865, Argentina, Brasil e Uruguai assinaram o Tratado da Tríplice Aliança.



Segundo “Francisco Doratioto”, em “A Guerra do Paraguai”, em meados de 1862 o Paraguai com uma população de 318.144 habitantes, possuía uma tropa de linha de 12.945 soldados; enquanto que o Brasil com uma população de 9.100.000 habitantes, possuía uma tropa de linha de 6.000 soldados. De qualquer forma é necessário analisar que o Brasil possuía uma economia superior, além do poder de mobilização.


(O Imperador, Tamandaré e Polidoro, jornal El Centinela de 1867)


A guerra durou seis anos – de 1864 a 1870 – resultando segundo os dados oficiais na morte de cerca de 100 mil pessoas. Definido como o maior conflito militar da história da América Latina, onde lutaram 122.700 soldados do exército brasileiro.
Porém esses dados são contestados, acreditasse que os números são bem superiores aos informados nos registros oficiais.
Muitos defendem que nessa guerra os filhos dos senhores de escravos ficavam confortavelmente em casa enquanto os pretos lutavam em seu lugar. Clóvis Moura defende que o governo imperial comprou milhares de escravos para lutarem no Paraguai.



Após seis anos de luta voltaram para o Brasil, 20 mil pretos. “Júlio José Chiavenatto”, em “Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai” defende que morreram de 60 a 100 mil pretos no conflito.
O imperador D. Pedro II reconhecia a crise econômica existente no país, ou seja, ele sabia que o Brasil não tinha condições de arcar com uma guerra, porém acreditava que empréstimos resolveriam este impasse, isso num momento que o Brasil estava de relações rompidas com o governo inglês, mas não impedia a tomada de empréstimos dos banqueiros ingleses.
Em 1863, o navio “Prince of Wales”, naufragou no Sul, o governo inglês humilhou o imperador D. Pedro II, obrigando o pagamento de uma indenização pelo saque da embarcação. A marinha britânica forçou o pagamento bloqueando o porto da capital do Império. No dia 25 de maio o Império do Brasil rompeu relações diplomáticas com a Grã-Bretanha.
Os empréstimos criaram uma falsa sensação de progresso, impressão que caiu após a “vitória” da Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai) e o inicio dos desentendimentos entre os aliados.
A decretação do “ventre livre” no Paraguai ocorreu em 24 de novembro de 1842, iniciando também a abolição gradual da escravidão no país guarani, que em 1865 possuía ainda cerca de 25 mil cativos. Portanto no contexto da guerra, o Paraguai ainda possuía escravos.
A seguir um trecho da obra “A retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai”, do visconde “Alfredo d’Escragnolle Taunay” (1843-1899), um dos comandantes das operações, descreve um pouco do sofrimento dos soldados:
“Nauseante espetáculo revelou-nos, nesse lugar, quando entre os nossos soldados era a fome tremenda. Ia matar-se um boi estafado, quase agonizante. Formou-se um círculo em torno do animal; cada qual mais ansioso esperando o jacto do sangue; uns para o receberem num vaso e o levarem, outros para o beberem ali mesmo. Chegando o momento, atiraram-se todos a ele, os mais afastados e os mais próximos. E assim era diariamente. Mal tinha o magarefe tempo de cortar a rês; era quase necessário arrancar às mãos dos soldados os nacos, a fim de os levar ao local da distribuição. Os resíduos, as vísceras, até o couro, tudo se despedaçava ali mesmo e era logo devorado mal assado ou cozido; repulsivo pasto de que não podia deixar de originar-se alguma epidemia”.
O alemão “Max Von Versen” expressa o pensamento da época:
“Não tem produzido impressão favorável o que tenho visto até agora do exército deste país. Nas fileiras estão alistados somente negros, mulatos, e a escória da população branca”.
Numa análise objetiva, podemos definir a participação do Brasil como uma atuação de um país extremamente endividado com os britânicos, onde seus cidadãos podiam comprar seu patriotismo, e as fileiras eram preenchidas por aqueles que não eram considerados cidadãos.
Com esse perfil de “patriotismo” o exército brasileiro era predominantemente preto, segundo “Clóvis Moura”, era uma proporção de 45 soldados pretos para 1 soldado branco.
Ironicamente o exército brasileiro dizia-se libertador do povo paraguaio.
“Vossas Excelências mostram tanto zelo em dar liberdade à nação paraguaia, segundo suas próprias expressões, por que não começaram Vossas Excelências pela libertação dos infelizes negros do Brasil, que formam a maior parte de sua população e que gemem sob a mais dura e terrível escravidão para enriquecer e manter na ociosidade algumas poucas centenas de grandes do Império?” (general Estigarribia)
Clóvis Moura”, com base em várias informações, defende em “Dialética Radical do Brasil Negro”, que prisioneiros paraguaios, eram vendidos como escravos no Brasil. Segundo Eduardo Galeano, prisioneiros paraguaios foram vendidos para trabalharem nas plantações de café de São Paulo.




Após a denúncia desses acontecimentos, por Solano Lopez, o presidente argentino escreve:
“Nosso lote de prisioneiros em Uruguaiana foi mais de 1400. Estranhará V. o número, que deveria ser maior, mas a razão é que, por parte da cavalaria brasileira, houve, no dia da rendição, tal roubo de prisioneiros, que pelo menos arrebataram de 800 a 1.000 deles, o que mostra a V. a desordem dessa tropa, a falta de energia de seus chefes e a corrupção dessa gente”. (Bartholomeu Mitre – presidente da Argentina de 1862 a 1868).
Em 1630 africanos escravizados em Pernambuco aproveitaram a guerra contra os holandeses para engrossar o exército dos Quilombos dos Palmares, um pouco mais de dois séculos depois, o movimento pela liberdade ocorreu na contramão.
O fato da maioria dos soldados do exército brasileiro na guerra do Paraguai ser de descendentes de africanos, não quer dizer que desta maioria, a maior parte fosse escrava. Na “Revista Nossa História n. 13 de novembro de 2004”, o historiador “Ricardo Salles”, em “Negros Guerreiros” cita:
“... Em 1867, no auge da guerra e do recrutamento, os escravos eram 12,4 % da população, enquanto que negros e mestiços livres representavam 52,5 % deste total. Assim não há porque assumir, como fizeram paraguaios, argentinos e testemunhas estrangeiras, que soltados brasileiros, por serem em sua maioria negros, eram escravos...”.

Salles também descorda da tese de que escravos libertos por seus senhores comporiam a maioria da tropa, para ele as “famílias ricas dispunham de meios materiais e de prestígio social mais do que suficientes para evitar que seus filhos fossem à guerra como simples recrutas”. Para ele dos 150 a 200 mil homens mobilizados para a guerra, os libertos não passavam de 5,49 a 10 % do total.


Segundo “Jorge Prado de Souza”, em “Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai”, o estado da Bahia forneceu um efetivo de 15.197 soldados, entre voluntários da pátria, guarda nacional, recrutamento e libertos.

“Eduardo Silva”, em “Dom Obá II D’África, o Príncipe do Povo: vida, tempo e pensamento de um homem livre de cor”, cita:


‘...Muitos, mais freqüentemente nas grandes cidades, foram realmente “voluntários de corda”, sobretudo aquela gente tida por turbulenta, grandes mestres da pernada carioca e da capoeiragem soteropolitana...’.
Ele também fala:

‘No Império, como na Colônia, o serviço militar não era obrigatório. Para a formação e manutenção do efetivo, recorria-se, principalmente, ao recrutamento forçado nas camadas mais humildes da população, constituídas, sobretudo, de negros, índios e miscigenados. Por isso, “nas fileiras do exército como nas tripulações da esquadra só se viam negros e mestiços de vários tons” como escreveu, talvez preocupado, Oliveira Lima’.


O que mais preocupava Caxias era a possibilidade dos soldados pretos voltarem do Paraguai, com o objetivo de gerar um novo Haiti. Isso não ocorreu, mas os ex-combatentes, exerceram grande influência sobre os “cativos”, muitas vezes colaborando em insurreições e fugas.
Com o fim do conflito o país estava quebrado. De 1871 a 1889 o montante dos empréstimos ingleses chegavam a 45.504.100 libras, sendo que o comércio exterior brasileiro estava dominado pelo capital britânico.
O Brasil gastou nos campos de batalha um total de 614 mil contos de réis, o equivalente a 11 anos de orçamento imperial, resultando num déficit público que arrastaria pelos vinte anos seguintes.

Enquanto que os ingleses foram os que mais lucraram com a guerra, os verdadeiros derrotados foram os pretos, a morte e o sofrimento de nossos irmãos, sim, foi o grande saldo negativo do conflito.



Segundo os dados oficiais, o Paraguai em 1864 contava com uma população de 318.444 pessoas, em combate perdeu entre 15.000 e 25.000 soldados. Ao final da guerra sua população caiu para algo em torno de 300.000 pessoas. Porém existem pesquisadores que defendem que o número de mortos são superiores aos apresentados nos registros oficiais, mesmo porque não se limita aos combatentes como também a fome e as epidemias causadas pela guerra, nessa outra estimativa, acredita-se que ao final da guerra a população paraguaia contava com apenas 200.000 pessoas. Não podemos nos esquecer da emigração pós-guerra.






A fase final da guerra ocorreu há 140 anos, em 1870:
No dia 1º de março Solano Lopez, presidente paraguaio foi alcançado pelas tropas brasileiras em Cerro Corá, foi ferido com uma lança do cabo Francisco Lacerda e morto com um tiro de fuzil; No dia 20 de junho o governo provisório do Paraguai aceitou os termos do Tratado da Tríplice Aliança; E no dia 25 de novembro, foi jurada a Constituição paraguaia, segundo “Doratioto” a primeira do país.
Após a “vitória”, o prestígio da farda crescerá e os heróis do Brasil serão os soldados, fator explorado pelos abolicionistas. Alguns estudiosos defendem que isso influenciou na abolição da escravidão, por outro lado, o herói foi colocado à margem dessa sociedade, como um incapaz de enfrentar a nova etapa de organização do trabalho que se apresentava no fim da escravidão e o processo de branqueamento prosseguia com mais força.


Os “patriotas” filhos dos senhores de escravos tornavam-se os fazendeiros do café, esses por sua vez já haviam sido beneficiados pela “Lei de Terras” de 1850, que excluía da terra aqueles que não tinham dinheiro nem crédito. E os imigrantes por sua vez eram a solução para o branqueamento do país.


A escravidão dos pretos no Brasil durou quase quatro séculos, período marcado pela extrema violência e exploração. Sabemos que apesar disso, nossa gente não apenas sobreviveu ao maior crime da História da humanidade, como também conservou elementos sagrados de nossa tradição, isso indiscutivelmente por méritos próprios.

No Brasil, políticos, intelectuais e cientistas tinham interesses de branquear o país, semelhante a política colocada em prática na Argentina.

Durante a Guerra do Paraguai, nossa maior inimigo estava aqui. Hoje não é diferente, a opressão parte da polícia, a manipulação é propagada pela televisão e instituições religiosas, na escola os professores não estão preparados para falar de nosso povo, e as instituições privadas nos boicotam. Além dos capitães do mato de farda, não podemos esquecer dos capitães do mato que se escondem em alguma sigla de algum partido político, ou traidores que vendem nossas cabeças nas ONGs, executando sua autopromoção.


FONTES DE PESQUISA:
DORATIOTO, Francisco. “A Guerra do Paraguai”. São Paulo: Brasiliense, 1991.

DORATIOTO, Francisco. “A Guerra do Paraguai: América do Sul em Armas”. Revista Nossa História. Vera Cruz, n. 13, novembro/2004.
FURTADO, Joaci Pereira. “A Guerra do Paraguai (1864-1870)”. São Paulo: Saraiva, 2000.
MOURA, Clóvis. “Dialética Radical do Brasil Negro”. São Paulo: Anita, 1994.
SALLES, Ricardo. “Negros Guerreiros”. Revista Nossa História, n. 13, novembro/2004.
SILVA, Eduardo. “Dom Oba II D’África, o príncipe do povo: vida, tempo e pensamento de um homem livre de cor”. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
SOUZA, Jorge Prata de. “Escravidão ou morte: os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai”. Rio de Janeiro: Mauad, 1996.
TAUNAY, Alfredo d’Escragnolle. “A retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai”. São Paulo: Melhoramentos – MEC, 1975.
Org. Alaru Jagunjagun Oniluap (UCPA)

4 comentários:

Mordaz disse...

Deve procurar a constituição da população do Brasil nesta época para verificar que a maior parte de negros e mestiços, que os paraguaios chamavam de macacunos (macacos), eram pessoas livres. Mais que o dobro da população escrava. Os paraguaios tinham aversão aos negros, em cujo país era proibido o casamento entre brancos e negros. Por isto chamavam nosso Imperador de macacuno, e o nosso exército de negros e anegrados, macacunos. Pois viam o Império, em que se reproduziam com uma raça inferior, animalesca, deteriorando o sangue dos "civilizados"! Das quatro nações, o único que cometia este "atentado" a civilização, era o Império. A maior parte do exército não eram negros e mulatos libertos para se alistar, mas de mulatos e negros que já eram livres. No censo de 1872 existiam mais pretos e mulatos livres do que brancos. Quem eliminou os 25000 escravos purificando a "raça" na frente de combate foram os paraguaios que eliminaram estes. Durante a guerra desapareceu o negro no Paraguai, enquanto no Brasil não se modificou a formação da população, num país de 9 100 000 pessoas. A explicação de pequeno número de negros em relação aos mulatos hoje de deve a esta mistura natural entre brancos e negros.

Mordaz disse...

O que havia era uma lei do ventre livre promulgada em 1842 por Carlos Lopes, pai de Francisco Solano López. Os libertos da República, os que nasciam de Janeiro de 1843 em diante, deveriam, no entanto, trabalhar para seus senhores, patronos, os homens até a idade de 25 anos e as mulheres até os 24. Era uma liberdade bastante relativa, portanto. Na época da Guerra, nenhum escravo teria atingido ainda este benefício.

Mordaz disse...

Tenho os dados do CENSO 1872 aqui:
Brancos 3 787 289
Pretos 1 954 452
Pardos 4 188 737
Sendo que escravos eram 1, 5 milhões.
Portanto, mais pardos e pretos livres, do que brancos. É lógico que se refletisse na tropa.

Mordaz disse...

O imperador é definido como um gran macaco representado sempre com uma longa cauda, Caxias um descomunal sapo preto que se locomovia montado numa tartaruga. O Cabichuí, jornal do exército paraguaio, define o soldado brasileiro: "La palabra guaraní camba se aplica a los negros, y más genérica y propriamente al esclavo. Hablar de un brasilero es, pues, hablar de un camba bajo el punto de vista de su color y de su condición de esclavo, (principalmente, note) y aun mas propriamente de un camba para representar la ruindad, la pequenez, la miseria, el amilanamiento de esa raza despreciable que hasta es una afrenta para la especie humana" (Museo del Barro 1984, Cabichuí, n. 8, 1). Cabichuí era escrito pelo exército paraguaio.

Na imprensa oficial, através do Cabichuí do El Centinela eram freqüentes chamadas como: "Así se cazam los negros"; "Fuego a los negros"; "Como matar a los negros"; "Ejercito macacuno jugando Carnaval"; "Látigo con los negros" etc.