"Nzambi a tu bane nguzu um kukaiela"

terça-feira, 13 de setembro de 2016

"Amor preto como elemento estruturante da causa pan-africana" (Abisogun - UCPA - Setembro/2016

O povo preto carece de uma percepção: a necessidade de construir uma identidade que possa transcender as mediocridades inerentes à condição humana e, assim, elevá-lo ao patamar que lhe é de direito. 
A perfeição encontra-se no mundo das ideias, apenas. E este plano metafísico é forjado a partir de nossos desejos, vontades e necessidades de supressão das verdades do caráter humano. “A humanidade é má…”, disse o poeta; pega a visão! No bojo geral, é isso; aja visto o passado de barbáries e massacres praticados uns contra os outros; e nem falamos das macros barbáries ou das hecatombes promovidas pela sanha humana na sua busca de riqueza e poder; nos referimos, pelo menos nesta breve reflexão, as micros barbáries, as indiferenças, ao descaso e ao escarnio com o qual tratamos um igual, em sentimentos e direitos… na parte que nos toca, em pigmento/melanina. 
A miséria produz este tipo de coisa, essa categoria de gente, que por si só já é a barbárie em sua mais pavorosa demostração de perversidade, mas não é monopólio dos miseráveis tais percepções e ações uma vez que o grosso da desgraça destilada ao mundo surge justamente dos produtores da miséria geral e irrestrita, surge dos mesquinhos, dos avarentos, dos estupradores que temem perecer na terra pela intensidade dos raios solares ou, usando um conceito caro à filosofia politica e econômica do final do século XIX, dos burgueses com seus olhos azuis de demônio; como salientou o irmão Malcolm X. 
Não podemos mensurar tal fato, mas matamos um ser com um olhar, com um simples comentário desestabilizamos todo o estado de espírito e psíquico de alguém e o empurramos para um primeiro estágio de uma quase depressão e incapacidade de ação ou revide. Racismo mata. Haverá o dia da simetria, suave! Entretanto, existem aqueles que, por terem o “coração bom”, criaram mundos ideais e passaram a viver dentro deles – não há problema nisso e nem de perto isso flerta com a esquizofrenia clínica – em que o amor, a justiça, a fraternidade e a solidariedade, são valores máximos, indiscutíveis, pedras basilares da existência e fundamentos de um projeto civilizatório mais condizente com as necessidades da natureza. E esses, com razão e sentimento, se indignam com a crueldade e injustiça dos outros para com os outros. Pensam que poderia ser um dos seus, seu sangue, sua carne. 
A dor e a compaixão são reais e não apenas roteiro de uma religião carcomida pela necessidade de existir e se perpetuar em detrimento das forças centrífugas da história. E se revoltam. E odeiam. E pensam maldade. E entram em crise por tais pensamentos. Mas não se importam. 
O amor pelos seus é mais forte e inexplicável. E explodem. E agridem e são agredidos ao agredir. E pensam nas consequências. E se retraem. E se calam. E não dormem a noite incomodados com bolas de desaforo entaladas na garganta. E são sufocados, na parte mais escura e silenciosa da noite, pela não ação do dia anterior. Pela negação de suas personalidades. Pela impotência. E gritam, em um ousado e rebelde silêncio, impropérios contra si mesmas. E pela manhã traçam planos para pintar o mundo real com as cores do seu mundo ideal: e isso é revolucionário… e isso é lindo porque dignifica a humanidade e restaura o melhor que existe nela. 
Tudo isso parece muito universal. E é. E o universal foi invenção do colonizador. Aqui ninguém está de bobeira! 
Para o colonizador, o universal é sinônimo de ocidental. E ocidental, por sua vez, é sinônimo de branco. 
O grande poeta da negritude, Aime Cesaire, tempos atrás, nos alertou sobre a necessidade de não se diluir no universal, pois somos pretos. Somos africanos. Temos que ter nossas próprias bases éticas e morais e buscar, a partir de uma prática genealógica, não aquela ferramenta e conceito teórico criado por Foucault, mas uma genealogia mais próxima de uma arqueologia dos sentidos, dos significados, das produções imateriais de uma África longínqua e que talvez exista somente em nossa mente, em nosso inconsciente, no sentido garveysta. Talvez essa África seja apenas um ethos que surgiu da necessidade de negação do branco e de suas barbáries. Não tem problema, não, pai! Com o Ocidente, sabemos, acontece o mesmo, apenas não é colocado em xeque! Pega a visão! É isso! Este tem que ser o entendimento: o poder nos fez ser “o diferente”, “o outro”, mas para nós, “pretos de elite”, usando o conceito do irmão pan-africanista por essência Thembi Sekou Okwui, “o outro” são eles, poucas ideias!, seja como for, vivemos em um mundo hostil e temos que fazer com que a nossa carne e nosso sangue, pois a história de opressão nos tornou um ser uno, indivisível, viva em um mundo melhor do que o mundo que nossos pais viveram e que, infelizmente, ainda somos obrigados a viver. 
Voltando ao início da reflexão, o ingrediente para superar as mediocridades humanas é o amor. Simples assim! Não falamos do amor platônico, do amor cristão ou menos ainda do amor medieval, eternizado por Tristão e Isolda… pensamos e agimos a partir de paradigmas estranhos à nossa carne, sangue e espírito… e isso nos deixa em permanente desequilíbrio com o mundo […] somos um povo adoecido […] a descolonização passa por estas questões… Enfim… falamos de amor de iguais, amor gerado pelo ódio àqueles que querem o nosso desaparecimento da terra… amor preto… amor africano… amor de malungos… de quilombolas… de escravizados em plena ação de rebelião e fuga!!! amor pelos pequenos, pelos velhos, pelos que partiram… Parando por aqui, que já tá meloso demais… e não temos tempo pra melodia […] temos que cultivar e cativar o amor, ensinar o amor, se os adultos já estão por demais adoecidos, que canalizemos nossas energias às crianças, pois as crianças se tornam o que os adultos possibilitaram que elas se tornassem… 
Não sejamos medíocres, então! Pega a visão!!! Sejamos dignos, íntegros, verdadeiros e respeitosos para com os nossos!! Saudações pan-africanas…

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