"Nzambi a tu bane nguzu um kukaiela"

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Weldegabriel “Bandidos” (Eric Hobsbawm)

"Bandidos" de "Eric Hobsbawm" lançado inicialmente em 1969, apesar do título com conotação ofensiva, descreve a vida e atuação de personagens polêmicos - do banditismo social - que são vistos por uns como criminosos, para outros heróis, e ainda muitos os consideram justiceiros ou até mesmo revolucionários. Nessa obra a figura que mais me chamou a atenção foi "Weldegabriel", o mais velho dos irmãos "Mesazgi", da Eritreia. No inicio do livro em "Retrato de um bandido", Hobsbawm descreve a atuação de "Weldegabriel", numa sociedade africana marcada pela influência etíope, britânica e italiana no contexto do imperialismo, resistência africana e Segunda Guerra Mundial. Hobsbawm obteve informações da "história de um bandido social", "redigida por um aluno desconhecido da Universidade de Adis Abeba, Etiópia", "cuja dissertação foi fornecida por seu professor". Nascido em 1917, o britânico Hobsbawm é um historiador marxista, sua obra é marcada pelo estudo da construção e desenvolvimento das tradições no contexto do Estado-nação.
Alaru (UCPA)

Retrato de um bandido (Eric Hobsbawm)

Na época em que recebi esse documento, baseado em informações locais e em fontes jornalísticas em inglês e tigrínia, não me foi confiado o nome do autor, por motivos relacionados à conturbada situação política da Etiópia e da Eritreia na época. Se por acaso esta edição chegar a suas mãos e ele desejar se fazer conhecer, ficarei mais do que feliz por reconhecer minha dívida para com ele.
Aqui, pois, de forma um tanto sumária, vai a história de Weldegabriel, o mais velho dos irmãos Mesazgi (1902/3 - 1964). Que ela própria fale por si.
No tempo em que a Eritreia era uma colônia italiana, o pai de Weldegabriel, camponês da vila de Beraquit, no distrito de Mereta Sebene, morreu na prisão, onde se achava por ser um dos representantes da vila que se opunham à nomeação de um novo governador distrital que não era natural dali. A viúva culpou o impopular governador pela morte do marido e quis uma vendeta de sangue, mas seus filhos eram jovens demais, a opinião das pessoas do lugar estava dividida com relação à culpa do governador ...
Seus quatro filhos cresceram e se estabeleceram pacificamente como agricultores. Weldegabriel se alistou nas tropas coloniais como ascari (soldado que servia nos exércitos coloniais) e, com dois de seus irmãos, serviu com os italianos na Líbia durante a guerra ítalo-etíope de 1935-1936 e na ocupação de Etiópia (1936-1941)...
A ordem colonial italiana havia desmoronado e os ingleses administravam provisoriamente o território. Nas turbulentas circunstâncias do pós-guerra, o banditismo floresceu e os numerosos áscaris desmobilizados constituíam uma reserva natural de possíveis recrutas para os bandos. Os empregos eram escassos e os italianos continuavam discriminar os eritreus. Os imigrantes etíopes tinham menos oportunidades ainda...
Os irmãos Mesazgi entraram para criminalidade por via da antiga rixa de família, embora seja possível que as provações da vida civil os tenha estimulado a retomar a vendeta.
Quis o destino que o governador do distrito, filho do homem que podia ser apontado como o responsável pela morte do pai dos irmãos Mesazgi, também se tornasse malquisto por motivos muito semelhantes aos do pai: por nomear para determinado cargo um membro de um clã minoritário, radicado na aldeia de Beraquit mas nascido em outro lugar. Weldegabriel foi encarcerado por fazer-se oposição em nome do povoado, mas, posto em liberdade ao fim de um ano, passou a ser alvo de ameaças. Os irmãos decidiram matar o novo governador – isso era legítimo de acordo com as leis da vendeta – e com isso em vista se divorciaram de suas mulheres, para que a polícia não as punisse, e com o divórcio recuperaram a liberdade de movimentos sem a qual os fora da lei não podem agir. Depois de mata-lo a tiros, refugiaram-se numa floresta próxima, onde os amigos e parentes lhes levavam alimentos e o que mais precisassem. A maioria dos conterrâneos os apoiava como defensores dos direitos da aldeia, e de qualquer maneira os irmãos não podiam ofender seus antigos vizinhos roubando deles...
Eram tolerados porque tinham o cuidado de não molestar as pessoas do lugar, desde que deixassem em paz.
Como necessitavam de mais apoio, entre outros motivos para atormentar a família do governador, os irmãos começaram a ir de uma aldeia a outra, instando os camponeses a não trabalhar nos terrenos atribuídos ao governador e a reparti-los entre eles. Valendo-se de uma mistura de persuasão e de coerção, administrada judiciosamente, convenceram várias aldeias a denunciar aqueles direitos semifeudais, e com isso eles puseram fim ao direito dos senhores de dispor de terra e mão de obra grátis no distrito de Mereta Sebene. A partir desse momento, deixaram de ser vistos como simples bandidos e passaram a ser considerados bandidos “especiais” ou sociais. Por isso gozavam de proteção contra os policiais que as autoridades enviaram à região para combate-los – às custas dos aldeões.
... Um dos irmãos foi morto, e para se vingarem, os outros dois começaram a matar todos os italianos que encontravam, e com isso ganharam a fama de paladinos dos eritreus....
... como as estradas se tornaram perigosas para os motoristas italianos, os eritreus foram autorizados a dirigir, coisa que antes a administração italiana e a britânica lhe proibia. A medida foi bem acolhida porque representava um aumento de status social e por causa dos empregos que agora ficaram ao alcance deles. Muita gente dava vivas aos filhos de Mesazgi e diziam: “Graças a eles agora podemos dirigir carros”. Os irmãos haviam entrado para a política.
Nessa época (1948) a incerteza com relação ao futuro da ex-colônia complicava a política na Eritreia. Os defensores da união com a Etiópia se opunham aos partidários de várias fórmulas para uma futura independência da Eritreia.
... Unionistas de destaque procuraram o apoio dos bandidos e quase todos os cristãos o aceitaram, pois esse apoio lhes dava uma sensação de identidade e segurança contra os partidários da independência, entre os quais predominavam os muçulmanos...
Depois que a ONU finalmente aprovou a federação, os bandidos perderam o apoio dos unionistas e do governo etíope. Quase todos foram anistiados em 1951, mas Weldegabriel resistiu até 1952 e foi um dos quatorze bandidos que os ingleses consideraram demasiado perigosos para permitir-lhes ficar na Eritreia. Por isso, os ingleses tomaram providências para que se asilassem na Etiópia, onde receberam do imperador um pouco de terra na província de Tigré e um subsídio mensal. Infelizmente, agora eram eles os estrangeiros, e os camponeses do lugar se mostraram hostis. O imperador lhes prometeu terras num lugar mais tranquilo, um subsídio melhor e educação gratuita para seus filhos, mas a promessa nunca se concretizou. Pouco a pouco, todos os bandidos, exceto Weldegabriel, voltaram para Eritreia.
Weldegabriel poderia ter regressado para Beraquit, já que era um membro respeitado da comunidade depois de abandonar o banditismo. Tinha voltado a se casar com sua mulher, pois agora ela não corria mais risco algum, e ele, por seu lado, já não tinha de levar uma vida errante. Mas como os parentes do falecido governador, seus inimigos, ainda eram poderosos em Mereta Sebene, e Weldegabriel e sua família continuavam a ter uma rixa de sangue com eles, preferiu passar o resto da vida em Tigré. Morreu com 61 anos em um hospital de Adis Abeba. Em Beraquit foi realizado um serviço fúnebre por ele. Segundo informou um jornal da Eritreia, muitos eritreus importantes compareceram à solenidade e cantores fúnebres louvaram seus feitos. Os patriotas eritreus se dividem com relação a Weldegabriel: um bandido popular, mas um bandido que contribuiu para fazer com que seu país fizesse parte da Etiópia. No entanto, suas ideias políticas não eram as do século XX. Eram as antigas ideias políticas de Robin Hood em luta com o xerife de Nottigham.

 Hobsbawm, Eric."Bandidos".  4. ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2010. p.15 - 19. 

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