"Nzambi a tu bane nguzu um kukaiela"

sábado, 15 de julho de 2017


Hilda Dias dos Santos, mais conhecida como Mãe Hilda Jitolu, nome que recebeu no candomblé em 1942 (1923-2009), foi uma irmã preta-africana, nascida em Cosme de Farias, Salvador, BA, que, além de Iyálorixá do candomblé de tradição Jeje, foi, seguindo a linhagem das grandes africanas que criaram as bases do pan-africanismo por essência em terras baianas, uma líder exemplar de sua comunidade e ativista da cultura e das tradições africanas no Brasil e combatente visionária na luta anti-racista. No ano de 1952, após a morte do babalorixá que cuidava do seu ori, ela fundou o terreiro de candomblé de tradição jeje Ilê Axé Jitolu, no Curuzu, bairro da Liberdade, Salvador. Local de onde sairia, anos mais tarde, o Bloco Afro Ilê Aiyê, tendo Mãe Hilda Jitolu a frente da iniciativa e coordenação dos trabalhos; além de mentora intelectual e filosófica das temáticas abordadas pelo bloco, que tinha sempre a África e a experiência dos africanos na diáspora como referência última. Muitas pessoas pretas tomaram contato com a história da África e dos pretos no Brasil, agregando ferramentas teóricas na luta contra o racismo branco, por intermédio das músicas e dos desfiles do Ilê Aiyê; seja em Salvador, seja em outras partes do Brasil. Mãe Hilda, por meio de sua dedicação e trabalho, sempre guiada pelos ancestrais e deuses africanos, difundiu o amor e o orgulho preto, assim como a filosofia deixada pelos antigos africanos escravizados e a importância de se resgatar uma estética africana no dia a dia das pessoas pretas, não somente nos desfiles ou nas festas de candomblê. Em nível nacional, na luta anti-racista e pelo resgate da história e cultura africana, Mãe Hilda articulou politicamente, em várias esferas do movimento artístico, negro e no interior do próprio Estado, a criação do Parque Memorial Zumbi dos Palmares, em Alagoas; em homenagem ao herói Zumbi e, principalmente, ao grande Quilombo dos Palmares, uma das maiores experiências pan-africanistas das Américas. Assim como muitas outras irmãs, em sintonia com o entendimento da importância da educação na superação do racismo e desigualdades sociais, em 1988, ela fundou a Escola de Alfabetização Hilda Jitolu, que tinha como objetivo alfabetizas as crianças pretas que eram filhas dos adeptos da casa, do Ilê Aiye e da própria comunidade do Curuzu; e, em 1995, também dentro do Ilê Aiyê, ajudou na implementação do Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê; isto é, para facilitar a educação das crianças pretas, o Ilê passou a sistematizar, em sequências didáticas, as propostas pedagógicas, centradas em uma lógica civilizatória africana e na luta dos pretos contra a escravidão e racismo, que antes eram inseridas apenas nas músicas e nos desfiles do bloco afro. Este projeto pedagógico, não se limitou à Escola de Alfabetização Hilda Jitolu, mas, transcendendo a Senzala do Barro Preto, como é conhecido o local onde o Ilê faz os seus ensaios e apresentações, que é também a escola, foi parar nas salas de aula das escolas públicas das periferias de Salvador. Isso muito antes da implementação da Lei Federal 10.639/03, que versa sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileiras nas salas de aulas das escolas públicas e privadas de todo o Brasil, em todas as suas modalidades: infantil, fundamental, médio e superior. Entretanto, cabe uma atenção especial à atenção que tanto a Mãe Hilda quanto o Ilê Aiyê dispensava à alfabetização e o letramento das crianças pretas que a partir dali tinham mais ferramentas para sobreviverem em um mundo hostil e de mentalidade escravagista, como é o caso de Salvador, BA faziam parte de tal projeto. Na comemoração dos 30 anos do Ilê Aiyê, no ano de 2004, o tema do desfile foi a pessoa e a história desta grande matriarca africana: Mãe Hilda Jitolu. Mesmo já com idade avançada, foi ela quem coordenou espiritualmente os trabalhos de abertura do desfile; como vinha fazendo desde a fundação do Bloco Afro Ilê Aiyê, em 1974. É muito difícil, em poucas palavras, traduzir o significado da luta de uma matriarca africana como esta, que, apesar de todas as adversidades impostas, seja pelo racismo, seja pelo machismo e ou mesmo pela miséria oriunda de um capitalismo selvagem e bestial, conseguiu operar mudanças significativas no seio de sua comunidade e povo. Muitas pessoas pretas passaram a andar de cabeça erguida, se sentir bonita, pertencentes a este mundo, com iguais capacidades cognitivas e estética, pelos esforços desta nossa irmã preta-africana; portanto, acreditamos que a Mãe Hilda Jitolu, hoje não mais entre nós, pois habita a dimensão dos ancestrais, deve ser lembrada e resgatada, não somente em nossa memória, mas em nossas ações, em nossas práticas educacionais e pedagógicas, junto aos nossos irmãos de cor e origem. Mãe Hilda Jitolu deve ser lembrada como exemplo a ser seguido: pois ela foi uma verdadeira pan-africanista por essência.

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